


Catálogo
Texto curatorial

O grupo territorial e linguístico africano bantu-kongo vem sequestrado da África centro-ocidental para o Brasil, desde o século XVI. Com isso, ampliam-se referências culturais que, atualmente, estão amalgamadas em nosso cotidiano. O Brasil é bantu. A prática das feiras livres e dos mercados de rua talvez seja uma das mais africanas referências que, ainda hoje, produzimos e que nos identifica. Não à toa, diversos tipos de consumo afro-brasileiros permanecem presentes nas feiras, como o consumo das ervas e, em muitos casos, os quitutes típicos, baianos.
A palavra kutanda, então, nos rememora essas origens. Assim, abrimos esta exposição, relembrando ao Quitandinha que o termo que o nomeia tem origem africana, o que marca, aqui na mostra, em seus salões de entrada, o vender, prática cultural que se espalhou pelas ruas do Brasil, exercida, sobretudo, por mulheres negras. Da kutanda, trouxemos as referências históricas e geográficas dos próprios quilombos formadores de Petrópolis, um lugar que sempre teve, desde suas primeiras ocupações, a presença da população negra.
Mas, a história se amplia, hoje o Mercado Municipal da cidade vem se tornando reduto de práticas afrocentradas, do empoderamento e do consumo, do orgulho expresso em cabelos e penteados, da música e das artes. A pesquisa nos evidencia que o Quitandinha, também, surpreendentemente, foi o primeiro local a receber a equipe de funk da Furacão 2000.
O compromisso com o novo e com a vanguarda nos faz seguir adiante, ir e voltar da história, como no corpo do pássaro sankofa que lembra o passado que o constituiu para seguir adiante. Do passado, trouxemos a primeira mostra de arte abstrata do país que aconteceu em 1953 nos salões do Quitandinha. Organizada por Décio Vieira, renomado artista residente em Petrópolis, a exposição contou com expoentes da arte brasileira, como Anna Bella Geiger, Lygia Pape, Lygia Clark, Fayga Ostrower, Ivan Serpa, Zélia Salgado, Antônio Bandeira, Abraham Palatnik, Aluísio Carvão, Tomás Santa Rosa, Rossini Perez, entre outras e outros.
Quem nos conduz ao resgate dessa história é a artista Anna Bella Geiger, com quem
conversamos para seguir os caminhos e hipóteses sobre o protagonismo do Quitandinha em suas realizações artísticas. Anna Bella ganha, então, uma pequena retrospectiva para a qual selecionamos, junto com ela, os seus primeiros exercícios na abstração e ampliamos a pesquisa para sua precursora atuação na videoarte.
Dos ambientes decorados do palacete, trouxemos o protagonismo de um artista que está presente em murais no café-concerto e na piscina. Tomás Santa Rosa, um artista negro, paraibano, que se tornou não só um dos mais importantes cenógrafos, mas também um reconhecido ilustrador, pintor e ativista dos movimentos étnico-raciais, tendo atuado no Teatro Experimental do Negro, idealizado por Abdias Nascimento.
De outro modo, trouxemos as imagens ampliadas das decorações do carnaval de 1954, quando Santa Rosa foi responsável por desenhar motivos carnavalescos, como os músicos, as baianas, os foliões, para espalhar pela cidade carioca, do Centro aos coretos e praças dos subúrbios. Também pesquisamos sua atuação como cenógrafo e ilustrador, reproduzindo, em maquetes, alguns de seus projetos, e exibindo os livros ilustrados.
Wilson Tibério, artista nascido em Porto Alegre, teve nos salões do Quitandinha teve nos salões do Quitandinha uma exposição de grande importância para sua carreira. Do Quitandinha, o artista partiu, em seguida, para viver na França e depois na África. Ele pesquisou o cotidiano da população negra, as cenas dos ritos afro-brasileiros (“motivos afro-brasileiros”), pintou as cidades do Rio de Janeiro e de Salvador, o encontro e as danças de quilombolas, produziu autorretratos.
Tibério participou de importantes eventos sobre as artes negras, como o 1º Congresso de Escritores e Artistas Negros na Universidade de Sorbonne, Paris, em que ilustres pensadores, como Léopold Senghor, Édouard Glissant, Frantz Fanon e Aimé Césaire estavam presentes. Em Dakar, Senegal, no ano de 1966, Tibério integrou o 1º Festival Mundial das Artes Negras, hoje um evento emblemático para se pensar a produção afrodiaspórica no mundo.
Realizar esta exposição é evidenciar a centralidade do Quitandinha, atualmente um centro cultural, na realização de ações culturais. Escrutinar documentos, arquivos, coleções e memórias que nos fazem evidenciar o que sempre aconteceu: o compromisso com a diversidade das artes e da cultura no Brasil. E seguir adiante, renovar, trazer para os salões, uma obra inflável, do artista Flip, que promove a interatividade com o público em diálogo pensado especificamente para os salões do palacete-mocambo.
MARCELO CAMPOS
Curador
Vídeo Thomas Mendel.
Texto institucional
O Palácio Quitandinha é um dos lugares mais referendados do patrimônio artístico-cultural da cidade de Petrópolis e do estado do Rio de Janeiro. Sob a gestão do Sesc RJ, a partir de 2019 tem se reconfigurado por meio de investimentos aplicados na sua restauração e manutenção, mas, sobretudo, em sua programação.
Em 2023, quando deixa de ser uma Unidade Sesc para assumir sua vocação essencialmente cultural, transformando-se em Centro Cultural Sesc Quitandinha — CCSQ, passa a dedicar suas atividades regulares exclusivamente à arte em todas as suas linguagens e formas de expressão. Um equipamento que reafirma o protagonismo do Sesc RJ no cenário da arte e da cultura da Região Serrana, do estado do Rio de Janeiro e de todo o país.
O CCSQ apresenta um novo conceito de programação cultural, ampla, alinhada com programas públicos que incluem shows musicais, espetáculos de artes cênicas, exibições de filmes, atividades literárias, seminários, oficinas e programa educativo, assegurando sua reverberação para muitos e diferentes públicos, e proporcionando momentos únicos e experiências tanto inquietantes quanto inspiradoras.
Para comemorar os 80 anos deste espaço, resgatamos sua história e selecionamos protagonistas de muitos dos momentos importantes que aqui ocorreram.
Desde sempre este edifício e seu entorno anunciam e provocam encantamento ao grande fluxo de pessoas que participam das visitas às áreas internas do “palácio” ou da ocupação dos gramados do lago e, nesse sentido, trabalhamos para que este patrimônio arquitetônico, tombado pelo Inepac, esteja sempre de portas abertas
à comunidade.
A exposição “Da Kutanda ao Quitandinha — 80 anos” partirá de rememorações, revisitará exposições de arte fundamentais para a arte brasileira, resgatará ambientes e situações de épocas passadas, além de produções contemporâneas, permitindo um intenso trânsito por diversos tempos. Seus núcleos expositivos proporcionarão uma programação multicultural com seminários, teatro, shows musicais e oficinas abertas
a todos os públicos. Esperamos, assim, fazer jus ao
tanto de memória, história e diálogo com a contemporaneidade que este lugar e a
sociedade merecem.
ANTONIO FLORENCIO DE QUEIROZ JUNIOR
Presidente da Federação do Comércio do Estado
do Rio de Janeiro — Fecomércio RJ
Novembro/2023

Ficha técnica da exposição
Da Kutanda ao Quitandinha → 80 anos
Curadoria geral
Marcelo Campos
Produção
Estúdio Sauá
Produção Executiva
Tania Sarquis, Thiago Borges, Daniel Leão,
Renata Frignani
Assistência de Produção
Aline de la Cruz, Dora Motta, Felipe Soares,
Gabriel Moreno, Ismael Barros, Nina Bruno Malta,
Rosana dos Santos, Pit Nunes
Expografia
Daniel Leão, Tania Sarquis, Thiago Borges
- Estúdio Sauá
Design
Oga Mendonça
Cenotécnica
MW Cenografia
Montagem
Partes Estúdio
Equipamentos Audiovisuais
Nova Mídia
Sinalização
Ginga Design
Iluminação
Adriana Milhomen
Mídias Sociais e Site
Nina Bruno Malta
Divulgação
CWeA Comunicação
Fotografia
Thomas Mendel
Revisão de textos
Rosalina Gouveia
Tradução de textos
Monique Farias
Seguro
Affinité
Transporte
Millenium
Mediadores
Alan Machado
Amanda Semião
Ariane Egydio
Bernardo Pinheiro
Camila Figueiredo
Danielle Carvalho
Elizabeth Eleodoro
Geovana Alirian
Jennifer Vieira
João Vitor Carvalho
João Vitor Guimarães
Jonathan Araujo
Maria Elisa Ferreira
Marcelly Carvalho
Miguel Cavalcanti
Missila Licht
Mylena Fernandes
Patrick dos Santos
Vinicius Francisco de Souza
Acervos
Abdias Nascimento/Ipeafro, Arquivo Nacional, Associação Cultural "O Mundo de Lygia Clark", Biblioteca Bastos Tigre/ABI,
Biblioteca Mário de Andrade,
Biblioteca Setorial do Centro de Letras e Artes - Pernambuco de Oliveira/UNIRIO,
Carlos Moskovics/Instituto Moreira Salles, Centro Cultural Raul de Leoni/Biblioteca Pública Gabriela Mistral/Arquivo Público Histórico de Petrópolis, Centro Técnico Audiovisual, D.A.Press, Delfos/PUCRS,
Dorothy Draper & Company,
Família Joaquim Rolla, FMIS/RJ, FMSMB/Arquivo Associação Casa dos Estudantes do Império, Fundação Biblioteca Nacional - Brasil, Ipeafro, Life Magazine,
Luiza Santa Rosa, Luizmar Medeiros de Oliveira, MUHCAB, Museu Afro-Brasil, Museu da República, Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro, Museu Imperial/
Ministério da Cultura, Museu Nacional de Belas Artes/Ibram, Pinacoteca Aldo Locatelli,
Roteiro Produções, Sala da Historiografia Petropolitana/Arquivo Municipal (PMP),
Sesc Rio de Janeiro, Victor Klagsbrunn.