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O mural monumental realizado, em 1944, na piscina do Hotel-Thermas Quitandinha por Tomás Santa Rosa Júnior (1909–1956) é um convite para mergulhar em sua poética, alimentada por uma profusão de livros, discos e peças teatrais. As diferentes formas de narrar histórias haviam sido o centro da sua produção poética desde os círculos literários que frequentava na cidade da Parahyba (hoje, João Pessoa), onde nasceu e viveu até o início da idade adulta. 

 

Contudo, o interesse de juventude em se tornar artista foi a princípio adiado pelas urgências da vida material. Nos anos em que trabalhou como funcionário público, as horas de trabalho eram entremeadas por desenhos e poesias escritas em papéis avulsos — hoje raras — e uma breve carreira de cantor numa jazz-band da Rádio Club de Pernambuco. 

 

A mudança para o Rio de Janeiro ocorreu em 1932, motivada pelo desejo de viver de sua arte. Ao chegar na capital federal, Santa Rosa alugou um quarto de pensão na Rua do Catete, 200. A poucos passos da pensão, localizava-se a sede do rancho carnavalesco Flor do Abacate, que na comemoração momesca daquele ano havia sido premiado pela terceira vez nos concursos da Praça Onze com o desfile “A tomada da Babilônia pelos persas” e que, na semana anterior à festa,

tinha sediado a criação da Frente Negra Carioca, uma agremiação política que buscava produzir condições iguais de acesso à educação e ao trabalho no Brasil.

Naquele clima efervescente do Rio de Janeiro, não demorou muito para que o nome de Santa Rosa se tornasse conhecido entre as casas editoriais da cidade. A forma ágil que visualizava as imagens que seriam associadas a livros que se tornariam clássicos nos anos seguintes o fez se tornar rapidamente conhecido. Esse foi o caso de sua capa para os poemas de Urucungo, de Raul Bopp, seu primeiro projeto gráfico na época, e o romance Cacau de Jorge Amado. Ambos publicados em 1932 pela Editora Ariel. Contudo, foi na editora José Olympio que Santa Rosa consolidou seu trabalho como editor de livros, que se expandiu em diálogo com diversas casas editoriais. 


Nos anos seguintes, a carreira de Santa Rosa se ampliou em diversas direções. Como cenógrafo, atuou intensamente com a companhia Os Comediantes, encenou óperas no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e colaborou em diversas montagens do Teatro Experimental do Negro. Sua atuação como crítico de arte no jornal A Manhã o levou a se filiar à recém-criada Associação Brasileira de Críticos de Arte, em 1948. No mesmo ano, ele assumiria a direção do Departamento de 

Artes Cênicas do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Entre todas essas atividades, o tempo que lhe sobrou para expor suas obras em raras mostras individuais se tornou escasso.

As oportunidades de trabalho disponíveis para os artistas do seu tempo talvez tenham sido uma das principais preocupações de Santa Rosa ao engajar-se em inúmeras comissões e grupos de trabalho. No próprio Quitandinha, Santa Rosa participou da equipe de organização da Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz e Segurança de 1947. Poucos anos depois, em 1951, ele fez parte do júri da 1ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, eleito pelos artistas participantes o representante da classe. Foi também trabalhando em um congresso que trataria da profissionalização dos artistas que Santa Rosa faleceu em 1956 em Nova Delhi, por problemas cardíacos.

 

O fim precoce de sua vida legou ao seu tempo lembranças afetuosas publicadas em jornais por diversos amigos. No Quitandinha, seu mural inspirado nas Vinte mil léguas submarinas do escritor francês Jules Verne constitui um imenso testemunho de suas passagens por Petrópolis.

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Texto crítico: Tomás Santa Rosa - do homem ao artista

por Rildo Coelho

Leia aqui

Vídeo  Thomas Mendel

Fotografias  Lucas LandauThomas Mendel

Tomás Santa Rosa: Livros 

Ao longo de toda sua trajetória como artista, Santa Rosa realizou continuamente projetos gráficos para capas de livros, em parceria com diversas editoras. Suas primeiras capas foram na Editora Ariel em 1932. Contudo, foi na José Olympio que ele contribuiu de forma decisiva com a identidade visual da produção literária que viria a ser chamada nas décadas seguintes do “romance de 30”. 

 

Diante dos romances modernistas de caráter marcadamente regionalista, Santa Rosa definiu um padrão de capas monocromáticas em diversas cores, que traziam uma janela central em que uma cena do romance era representada em preto e branco. Dessa forma, livros de autores como Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego ganharam todo o Brasil de forma definidora na ampliação do mercado editorial nacional. 

 

Ao longo dos anos, Santa Rosa produziu outros projetos para diferentes linhas editoriais da José Olympio. Nela, editou na coleção Rubáyát, especializada em traduções de poesia oriental, além de diversas outras coleções de literatura estrangeira e não ficção. As colaborações com outras editoras foram também numerosas. Um caso singular foi a publicação do livro Estrela da manhã de Manuel Bandeira. Produzido em 1936, sua edição foi realizada de forma independente, com o apoio de amigos e admiradores do poeta. 


Na produção editorial de Santa Rosa, chama também a atenção seu interesse em projetos sobre culturas negras no Brasil. Entre essas edições, uma das mais antigas que podemos identificar é o livro de receitas Caderno de Xangô, publicado por Sodré Vianna pela Editora Bahiana em 1939. Esse trabalho foi seguido por colaborações com diferentes pesquisadores brasileiros. Em 1949, Santa Rosa ilustrou o artigo “Arte negra no Brasil” do antropólogo Arthur Ramos, publicado na revista Cultura do Ministério da Educação e Saúde, que se tornou posteriormente um texto seminal da história da arte negra no Brasil.

A atuação de Santa Rosa com o mercado editorial ganha mais nuances ao analisarmos a diversidade de projetos em que ele se engajou. Em publicações de formatos variados, ele garantiu que seus impressos circulassem de forma independente aos espaços de exposição. A exemplo dos livros da Hipocampo Editora, que traziam sempre uma página avulsa com uma composição abstrata do artista, ou ainda em livros de poesia impressos em grande formato como Espumas flutuantes e Canto da noite, que reproduziam gravuras em algumas de suas páginas internas. 

 

Ao mapear os diversos projetos de Santa Rosa voltados para o público infantil, conseguimos também ter uma dimensão de suas múltiplas experiências no mercado editorial ao longo de sua produção. Em 1937, ele foi premiado num concurso de livros infantis organizado pelo Ministério da Educação e Saúde com O circo, realizado em parceria com a editora Desclée de Brouwer. A edição foi impressa na França, permitindo o acesso a pigmentos que lhe conferiam uma qualidade de cor rara entre as publicações do país. 

 

O livro foi editado um ano após seu primeiro projeto do gênero, Histórias da velha Totônia do escritor e amigo José Lins do Rego, publicado pela Editora José Olympio. Dois anos à frente, Santa Rosa iria produzir uma série de livros infantis em parceria com o romancista Marques Rabelo. A relação entre os dois se estenderia por toda a década seguinte, quando o escritor realizou uma série de exposições nas capitais de diferentes estados para divulgar a pintura modernista no Brasil. 

Um Apólogo: Machado de Assis (filme) 

Jornais e Revistas 

A relação de Santa Rosa com a literatura assumiu formatos variados ao longo de sua carreira. Enquanto sua produção de capas de livros seguia em uma constante ao longo dos anos, experimentos com diferentes formatos se desdobravam em cada parceria. Dessa forma, podemos identificar edições bastante elaboradas, concebidas para o mercado editorial, além de parcerias em adaptações de textos clássicos para o teatro e cinema. 

 

Um desses projetos é a colaboração com o cineasta Humberto Mauro na adaptação do conto “Um apólogo”. O texto original foi publicado pelo escritor Machado de Assis pela primeira vez em 1º de março de 1885 no jornal Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. No filme, lançado em 1939 como parte da produção do Instituto Nacional de Cinema Educativo, o cineasta reproduz com exatidão o diálogo escrito por Machado entre um carretel de linha e uma agulha. Narrativa que é construída com o auxílio de desenhos de Santa Rosa inseridos na película e uma cenografia marcadamente teatral.

 

Poucos anos à frente, Santa Rosa produziria um conjunto de gravuras para o romance A casa velha, escrito por Machado de Assis e publicado apenas postumamente, em 1944.

Por quantas etapas uma ilustração passa até chegar às páginas de um jornal? A indústria gráfica de meados do século XX foi um vasto laboratório para a prática artística de Tomás Santa Rosa. Esse interesse era alimentado por um amplo universo de imagens que ele mesmo consumia, entre livros de arte, revistas ilustradas e capas de discos de jazz, que ouvia apaixonadamente, e se consolidou no Curso de Desenho de Propaganda e Artes Gráficas, coordenado por ele na Fundação Getúlio Vargas nos anos de 1947 e 1948. 

 

As possibilidades de fazer seus desenhos circularem o levaram a assumir o perfil de um artista que experimentava de modo obstinado com os mais diversos materiais. Entre gravuras feitas em diferentes matrizes, desenhos feitos a lápis, carvão, giz pastel ou mesmo caneta, podemos acompanhar a variedade de estilos que a produção de Santa Rosa assumiu ao longo dos anos. Essas abordagens diversas podem ser observadas nas formas como ele representava a figura humana. 

 

Entre um esboço ágil de um figurino e o desenho de um torso masculino em posição clássica do ensino acadêmico de artes, podemos observar como o estudo das diferentes finalidades de sua produção definem uma visualidade ampla. Já em suas ilustrações para o suplemento dominical Letras & Artes do jornal A Manhã do Rio de Janeiro, Santa Rosa assume as limitações da imprensa diária e produz seus desenhos ressaltando como fator expressivo o contraste entre as diferentes espessuras das linhas. Produção que contrasta com sua representação do episódio bíblico da visitação, possivelmente realizado para ser a matriz para um cartão de Natal, em que ele seleciona uma paleta de cores limitadas para trabalhar com as múltiplas variações de tons entre elas.

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TOMÁS SANTA ROSA NO TEATRO

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O teatro no Brasil, no início do século XX, passava por uma fase de transição. As influências europeias, especialmente francesas e italianas, desempenhavam um papel significativo no estilo teatral da época. A cenografia, até então, era considerada um elemento secundário, uma vez que a construção da ambientação cênica baseava-se na utilização de telões pintados, mobiliário realista, acessórios e adereços que careciam de uma função específica na cena.

 

No entanto, alguns artistas começaram a buscar uma abordagem mais autêntica e representativa da cultura brasileira, que passava a incluir elementos da cultura popular e a favorecer outras possibilidades estéticas sobre o realismo dominante. Essa transição marcou um período de grande efervescência na cena teatral do país.

 

Santa Rosa foi um desses artistas. Tornou-se um personagem marcante e fundamental na formação do teatro brasileiro moderno. Sua contribuição foi muito além da simples introdução de técnicas teatrais desconhecidas. Destacou-se como um pioneiro na expansão do espaço ao criar mundos imaginários que desafiavam o imobilismo cênico. Ao inovar na estrutura construtiva, nos efeitos de luz e na exploração dos fatores psicológicos que moldavam quadros, cenas e personagens, assumiu a verdadeira posição de coautor nas peças em que colaborou. Deixou um legado duradouro na arte teatral ao elevar a cenografia de um mero elemento decorativo para uma forma de expressão artística

essencial para a comunicação teatral. Sua contribuição é inestimável e continua a inspirar artistas e profissionais do teatro.

legendas do nicho programa e do expositor da maquete: Vestido de Noiva

No período de 1942 a 1950, Santa Rosa colaborou com o diretor polonês Zbigniew Ziembinski na produção de sete espetáculos. Entre essas produções, destacam-se Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues; Pelléas e Mélisande, de Maurice Maeterlinck e A rainha morta, de Henry de Montherlant. Em todas essas montagens, Santa Rosa incorporou alguns dos princípios dos movimentos simbolista e expressionista, a partir de referências que teve contato com o cinema e em conversas com Ziembinski.

 

Ao trazer para o Brasil uma metodologia que desvendava os significados ocultos do texto e explorava o gesto expressionista dos atores, Ziembinski dedicava uma atenção especial à iluminação cênica, que na época ainda se encontrava em estágio inicial no país. A incorporação da iluminação elétrica desencadeou mudanças significativas na cenografia, o que forçou uma transformação visual da cena e, consequentemente, estimulou o surgimento de novas abordagens e a criação de possibilidades cênicas inovadoras. 

 

A iluminação passou a desempenhar um papel crucial na criação de efeitos de sombra que podiam ampliar ou distorcer os elementos cênicos, transmitindo uma variedade de significados. Esses efeitos eram intrinsecamente ligados à estética expressionista e podiam transformar rapidamente o sentido de uma cena. Em última análise, era a luz que moldava o espaço cênico daí em diante, e ao cenógrafo cabia integrá-la ao seu trabalho.

 

Santa Rosa incorporou, desde 1943, a iluminação em seus trabalhos, dedicando-se a examinar suas maquetes sob a influência da luz e adaptando-as de acordo com essa influência. A iluminação servia como fonte de inspiração para cenários construtivistas e não realistas, sendo utilizada para determinar espaços dramáticos. Elementos sugestivos, que delineavam o cenário, frequentemente leves e vazados, podiam ser penetrados pela luz, resultando em projeções de sombras e interpretações variadas, de acordo com a posição e a tonalidade da fonte luminosa. 

A famosa montagem da peça Vestido de noiva, escrita por Nelson Rodrigues, no final de 1943, representa um dos momentos mais significativos na história do teatro moderno brasileiro. Sob a direção de Ziembinski, essa peça dramática, original em seu conteúdo e forma, desencadeou grandes transformações no panorama teatral ao incorporar elementos simbolistas e expressionistas, oferecendo uma abordagem inovadora e audaciosa à exploração da psicologia das personagens. 

 

Um dos aspectos mais marcantes da montagem foi a cenografia de Santa Rosa, que, aos 34 anos, alcançou com ela grande prestígio com sua expressão artística. Através da sobreposição de três planos cenográficos, Santa Rosa criou uma imagem despojada e simbólica, que viabilizava as ágeis transições de cena, auxiliadas pela inovadora iluminação. A simplicidade, a economia de linhas, a tridimensionalidade construtiva e as variações de nível incentivavam os espectadores a utilizarem a imaginação com base em poucos elementos. 


A combinação da ousadia temática da peça de Nelson Rodrigues, com a direção de Ziembinski e a inventividade da cenografia de Santa Rosa é um exemplo notável de como a arte pode desafiar as expectativas do público. A montagem de Vestido de noiva não apenas foi marcante para a história do teatro brasileiro, mas também abriu novos caminhos para a dramaturgia e o desenho cenográfico no país. 

legendas do nicho programa e do expositor da maquete: Romeu e Julieta

Tomás Santa Rosa Júnior desempenhou um papel crucial na transformação do espaço cênico no Brasil, promovendo inovação, experimentação e a elevação do status da cenografia como uma forma de arte crucial para o teatro, influenciando na materialização de cenários por meio de cores e formas, luz e sombra.

 

A ambientação cênica, até então, resumia-se a telões pintados, mobiliário cedido por comerciantes locais e objetos com funções apenas decorativas, em que a cenografia, muitas vezes, era considerada apenas um mero pano de fundo. Ao incorporar uma abordagem sofisticada e inovadora, Santa Rosa ampliou as possibilidades de criação de ambientes e atmosferas mais imersivas e enriquecedoras através do uso criativo e expressivo de elementos visuais e sonoros. Sua ousada abordagem construtivista incorporou planos tridimensionais e efeitos luminosos à estrutura cênica, desempenhando um papel fundamental na construção psicológica de quadros, cenas e personagens, consolidando assim seu impacto no campo cenográfico teatral. 

 

O teatro sempre exerceu um fascínio profundo sobre o artista. A perspectiva em linha de fuga e a sensação da terceira dimensão já se faziam presentes desde suas primeiras criações. Era apenas uma questão de tempo e oportunidade para que essa paixão florescesse plenamente. Com sua visão, o espaço cênico passou a desempenhar um papel fundamental na narrativa teatral, contribuindo para a construção de mundos que enriquecem a experiência do público. 

 

Santa Rosa deixou um legado duradouro na arte teatral ao elevar a cenografia de um mero elemento decorativo a uma forma de expressão artística essencial para a comunicação teatral. Sua contribuição é inestimável e continua a inspirar artistas e profissionais do teatro.

Em 1949, Santa Rosa foi responsável pela concepção dos cenários e figurinos da remontagem de Romeu e Julieta para o Teatro do Estudante do Brasil (TEB), de Paschoal Carlos Magno. Essa nova montagem do clássico de Shakespeare contou com a trilha sonora de Tchaikovsky e coreografias elaboradas por Tatiana Leskova. O espetáculo fez parte do 1º Festival Shakespeare no Brasil realizado no Teatro Fênix, sendo uma grande conquista para o Teatro do Estudante.

 

Na primeira imagem, podemos observar a “cena do balcão”. A segunda imagem retrata o baile na residência dos Capuletos, enquanto a terceira captura uma conversa ocorrendo na casa dos Capuletos entre a ama, Julieta e a Sra. Capuleto. Por fim, na quarta imagem, a cena final no mausoléu dos Capuletos. 

 

Havia, no mínimo, mais três cenários adicionais. Santa Rosa não simplificou a concepção cenográfica, como costumava fazer em produções com múltiplos espaços dramáticos. Sem eliminar completamente as referências históricas, encontrou um equilíbrio entre o simbolismo e o realismo, projetando espaços delicados e que se adequaram ao movimento de cena.

"Teatro é escola. Dirigir-se a um público e expor a esse público as verdades da vida e da arte é cumprir uma ação nobre. E quando se realiza uma ação meritória, é justo que não esperemos a menor retribuição. Sinto-me pago, e com alto preço, por ter vivido teatro. Amando o teatro, e desejando cultivá-lo, resolvi contribuir com minha parcela de trabalho, através da cenografia."

                                                   Tomás Santa Rosa

(in BARSANTE, Cássio Emanuel. A vida ilustrada de Tomás Santa Rosa. Rio de Janeiro: Bookmakers, 1993, p. 33).

Em 1952, Santa Rosa ingressou na equipe do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde direcionou seu talento para a criação de cenários e figurinos de óperas nos últimos anos de sua vida. Durante quatro anos, ele contribuiu com a concepção dos cenários de pelo menos quinze balés e óperas que foram apresentados pelo elenco do teatro. 

 

Devido à necessidade de proporcionar espaço livre para a movimentação dos cantores, bailarinos e figurantes no palco, Santa Rosa combinou seus estudos em cenografia e pinturas. Apesar de suavizar a complexidade espacial, ele conseguiu integrar a pintura de uma maneira mais significativa e menos decorativa aos espetáculos, sem, no entanto, abrir mão das técnicas modernas. Nesse período, ele demonstrou ousadia ao explorar o simbolismo das cores em seus últimos trabalhos de maior vulto, como nos cenários em preto e branco de Don Giovanni e em preto e vermelho para Carmen. Essas escolhas geraram um resultado de grande impacto visual e contribuíram para a atmosfera única de cada ópera, demonstrando seu domínio da cenografia como um elemento essencial na narrativa teatral. 

 

A capacidade de Santa Rosa em atualizar visualmente a tradição das óperas do Municipal para o público foi outra característica marcante de sua arte. Seus cenários não eram meros fundos estáticos, mas sim elementos vivos e coadjuvantes que acentuavam a narrativa e evocavam emoções.

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expositor maquete: Óperas

A montagem da ópera La traviata, de Giuseppe Verdi, em 1955 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, recebeu o cuidado especial de Santa Rosa. O artista demonstrou sua maestria em criar os ambientes que evocavam a atmosfera romântica e emocional da ópera, transportando o público para a elegante sociedade parisiense do século XIX, quando a história de amor trágica se desenrola. Os cenários de inspiração pictórica foram detalhadamente planejados e ricamente decorados, tornando-se essenciais para a imersão do público na narrativa. 


A escolha das cores, a disposição dos elementos cênicos e a atenção aos detalhes contribuíram para uma interpretação rica e impactante de La traviata, proporcionando um pano de fundo dinâmico para os desdobramentos dramáticos da ópera.

nicho do programa: O Filho Pródigo

O Teatro Experimental do Negro (TEN), companhia fundada por Abdias Nascimento em 1944, desempenhou um papel pioneiro na promoção da luta pela igualdade racial nas artes cênicas do Brasil. Esse movimento cultural e teatral surgiu em um momento de profundas transformações na sociedade brasileira, em que o iminente fim do Estado Novo possibilitou o retorno à auto-organização da população negra diante da perpetuação do racismo no país. O TEN buscou abordar essas questões, usando o teatro como uma ferramenta de expressão, conscientização e transformação social. Além de oferecer cursos de alfabetização e formação cultural, a companhia promovia uma ampla gama de atividades, incluindo palestras, seminários, congressos, concertos e concurso de beleza, todos com foco central na arte e na condição social do negro no Brasil. Desempenhou, também, papel fundamental na promoção de uma nova dramaturgia, na qual o negro era retratado como personagem de profundidade dramática, rompendo com o estereótipo de coadjuvante ou figura cômica. Em pouco tempo, o TEN conquistou um lugar de destaque na vanguarda do teatro brasileiro. 

 

Santa Rosa colaborou ativamente com o Teatro Experimental do Negro em seis montagens, entre 1946 e 1949. Nesse diálogo, ele contribuiu para a estética inovadora que marcou o movimento, produzindo projetos cenográficos marcados por elementos que destacavam a herança cultural africana, proporcionando um contexto visual que ressaltava a atualidade daqueles espetáculos encenados.

 

A parceria entre Santa Rosa e o TEN reforçou o papel crucial do teatro como uma ferramenta de resistência e mudança social. As produções do grupo, com o talento de Santa Rosa na criação de seus cenários, ajudaram a desafiar estereótipos raciais, a destacar a rica herança cultural afro-brasileira e a criar um espaço de representação positiva para os atores e atrizes negros no teatro brasileiro. Como resultado, o Teatro Experimental do Negro e a contribuição de Santa Rosa deixaram um legado duradouro, demonstrando como o teatro pode ser uma plataforma eficaz para a promoção da igualdade racial e o avanço da consciência social. Eles colaboraram para a formação de uma cultura teatral comprometida com a igualdade, influenciando gerações futuras de artistas e impulsionando o diálogo sobre a importância da diversidade e da equidade nas artes cênicas.

expositor maquete: Aruanda

Em dezembro de 1948, no Teatro Ginástico, estreou a peça Aruanda, escrita por Joaquim Ribeiro e dirigida por Abdias Nascimento. A Orquestra Afro-Brasileira, regida pelo maestro Abigail Moura, executou composições originais de Gentil Puget, desempenhando um papel crucial na transformação de Aruanda em um espetáculo com características multifacetadas das performances negras, fazendo entrelaçar elementos de dança, canto, teatro, jogo e ritual. O resultado foi algo que transcendeu a simples justaposição de todas essas formas artísticas, criando uma experiência rica que ecoava as tradições culturais afro-brasileiras. 

 

O cenário de Santa Rosa apresentava elementos pictóricos posicionados no fundo do palco, destacando-se as árvores bidimensionais, representadas em formas geometrizadas e adornadas com padronagens coloridas, ressaltando a modernidade da experiência negra. 

 

A cenografia bidimensional facilitava a evolução do numeroso elenco e permitia as evoluções de dança, transportando o público para um universo simbólico e espiritual, repleto de elementos da cultura africana no Brasil. As cores e os elementos decorativos cuidadosamente escolhidos evocavam as tradições ancestrais. O uso habilidoso da iluminação acentuava a atmosfera mágica da peça, mergulhando os espectadores em um ambiente de múltiplas sensações.

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SANTA ROSA NA PISCINA DO QUITANDINHA

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A literatura de viagem constitui uma das mais importantes realizações do contato entre os povos no século XX. A invenção do turismo, esse que fez com que grupos passassem a se interessar por outras geografias, tem na arte e nos artistas seus primeiros aliados. Roteiros ilustrados, aquarelas que substituíram as fotografias, quando essas ainda não eram de tão simples reprodução. Contudo, ao olharmos a piscina interna do Quitandinha, com os murais de Tomás Santa Rosa, inaugurada junto com o edifício em 1944, temos a oportunidade de ampliar ainda mais a relação entre ilustrar uma experiência e tê-la visto. Santa Rosa, aqui, coloca-se a imaginar, fabular, sonhar.

 

Ainda no século XIX, o escritor Júlio Verne revolucionou a literatura de viagem ao assumir a dimensão imaginativa de jornadas que nunca fez, dando origem a uma longa tradição de literatura fantástica. E a piscina que Santa Rosa ocupa com arte se baseia em um dos clássicos de Verne, Vinte mil léguas submarinas (1869). A narrativa, filmada nos primórdios do cinema por Georges Méliès, em 1907, descreve as peripécias de criação de um submarino que trava uma batalha com a natureza subaquática, repleta de polvos, anêmonas e arraias. Lido de outro modo, há uma espécie de vingança da própria natureza ao reagir diante de um inimigo (o submarino) que tenta percorrer e explorar aquele ambiente, ressoando ações de defesa e preservação da natureza.

 

A piscina do Quitandinha traz certas peculiaridades. Sua profundidade maior que

quatro metros e meio destina-se aos saltos ornamentais, prática milenar que os filmes de Hollywood popularizaram. Conta-se que a atriz e nadadora Esther Williams esteve na inauguração da piscina. Diante do mural monumental de Tomás Santa Rosa, ampliam-se as relações estético-formais. No período em que foi realizado, o muralismo mexicano havia ganhado força, e a América Latina aderia ao interesse de criar obras para grandes públicos, aplicadas sobre os muros das cidades, comparado à contemporânea arte do graffiti. Santa Rosa, um paraibano, negro, pensa e torna a piscina do Quitandinha ainda mais profunda, pois por sobre as cabeças de quem ainda não mergulhou já passeiam os seres aquáticos. De outro modo, os murais de Santa Rosa tornam todo o Quitandinha um espaço de possíveis fabulações.

 

Dez anos após a realização do mural, o livro de Verne ganhou ainda mais popularidade com sua primeira adaptação em um filme de longa metragem, realizado pelo estúdio Walt Disney. Hoje, artistas negros renomados na literatura, nas artes visuais e no cinema reelaboram a experiência negra, "ficcionalizando" a história dos afrodescendentes no mundo e fabulando em torno da ideia de afrofuturismo. Aqui, os murais de Santa Rosa para a piscina do hotel Quitandinha ganham uma nova dimensão - sua história o inspira, como um monumento que conecta passado e futuro de nossa história.

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SANTA ROSA NO CARNAVAL

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As antigas decorações do carnaval do Rio de Janeiro representam um capítulo valioso na história da cidade e desempenham um papel significativo em sua identidade cultural. Ao longo de décadas, essas decorações tornaram-se testemunhos visuais das festas e celebrações que enfeitavam a cidade. Mais do que simples adornos, eram expressões artísticas em diálogo com a população nas ruas que, com suas fantasias coloridas, tornavam o espaço público verdadeiras galerias a céu aberto.

 

O carnaval no início do século XX, como um reflexo da sociedade profundamente estratificada, deu origem a celebrações em uma variedade de formatos. Durante a festa, coexistiam as sociedades carnavalescas, os corsos, as batalhas de confete, além dos bailes frequentados pelas classes mais abastadas. Nas décadas seguintes, o carnaval passou a se organizar entre ranchos e escolas de samba, em  sintonia com as mudanças da indústria do rádio na cidade, e com as primeiras competições entre agremiações. 

 

O primeiro desses eventos foi organizado pelo sambista, babalorixá e jornalista Zé Espinguela, e ocorreu em janeiro de 1929. A partir do carnaval de 1932, os desfiles se consolidaram na Praça Onze, na região da Cidade Nova, com apoio de jornais locais e da Prefeitura.

 

A tradição de enfeitar as ruas e fachadas acompanhou as transformações do carnaval, com a crescente construção de coretos alegóricos, supervisionada pelas comissões de festas designadas pelos moradores. Com o objetivo de tornar o carnaval do Rio de Janeiro uma atração do próspero mercado de turismo da cidade, a Prefeitura atribuiu ao cenógrafo Luís Peixoto a responsabilidade de conceber a primeira decoração oficial da Avenida Rio Branco para os festejos de 1928.

 

Nos anos seguintes, diversos intelectuais, artistas, agentes do estado e a população em geral contribuíram de diferentes maneiras na divulgação da festa momesca. No carnaval de 1954, Santa Rosa foi convidado pela Prefeitura para criar a decoração de rua da festa, em parceria com o cenógrafo Flávio Souza. Mesmo não sendo um folião entusiasmado, Santa Rosa apreciava a espontaneidade da festa e as oportunidades artísticas que esse evento popular oferecia.

 

Entre os imensos bonecos representando o frevo pernambucano implantados na Cinelândia e uma Torre Eiffel adornada com flores, arlequins, colombinas e pierrôs da Praça Paris, a dupla de artistas se utilizou de uma profusão de cores para fazer seu carnaval.

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Ficha técnica do núcleo

Tomás Santa Rosa

Curadoria

Bruno Pinheiro

Marcelo Campos

 

Pesquisa e cenografia 

André Sanches

Daniel Leão

Mariana Faria

 

Maquetes

Mariana Marton

Eduarda Brandão

Haru Vieira

 

Produção gráfica e
tratamento de imagem 

Tatadesign

 

Edição e tratamento de imagem

Tratamento da Imagem

© 2024  Estúdio Sauá Arquitetura e Cenografia

criado por Tatadesign na plataforma Wix

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